Indicadores de demanda e necessidade para Análise do Mercado de Trabalho em Saúde
- Daniel do Prado Pagotto
- 21 de ago. de 2024
- 7 min de leitura
Atualizado: 23 de ago. de 2024
Texto escrito por Alef Santos (CIGETS-UFG, UFG), Daniel Pagotto (CIGETS-UFG, UFG) e Daiane Martins Teixeira (CIGETS-UFG)
Em 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou o handbook chamado "Strengthening the collection, analysis and use of health workforce data and information: a handbook" (título em inglês), "Fortalecendo a coleta, análise e uso de dados e informações sobre a força de trabalho em saúde" (tradução nossa). O livro é dividido em 18 capítulos e traz uma série de orientações acerca da qualificação do uso de dados e informações para a formulação e gestão de políticas de força de trabalho em saúde mais efetivas.
Dando sequência à nossa série, elaboramos a resenha do capítulo 10: “Data requirements for the analysis of the demand and need for health workers” (título em inglês), “Requisitos de dados para a análise da demanda e necessidade” (tradução nossa), escrito por Gilles Dussault e Amani Siyam (1).
Vamos falar nesta resenha sobre dois elementos: demanda e necessidade. Apesar de parecerem sinônimos, aqui se compreende demanda como o número de trabalhadores que o sistema de saúde comporta em função da capacidade orçamentária. Já a necessidade por força de trabalho em saúde é determinada em função dos serviços que a população precisa. Tais serviços são levantados a partir de aspectos como demografia, epidemiologia, tecnologia, entre outros elementos. Vamos observar detalhadamente como demanda e necessidade podem ser mensuradas.
Demanda
A demanda é definida como "o número de trabalhadores da saúde que o sistema de saúde pode suportar em termos de posições financiadas ou demanda econômica por serviços" (2). A partir disso, é possível conceber quais tipos de dados e informações serão necessários, como por exemplo, o tipo e a quantidade de empregos abertos para os trabalhadores de saúde, onde os empregos são oferecidos, os termos de emprego e condições de trabalho.
O guia Contas Nacionais da Força de Trabalho em Saúde (3) apresenta uma série de indicadores de diferentes módulos que podem servir para análise de demanda, entre eles, os módulos 1, 5, 6, 7 e 8 conforme pode ser visto na Figura abaixo.
O módulo 1 possui indicadores que permitem aferir o quanto da força de trabalho está sendo empregada, por diferentes tipos de estabelecimentos. Por outro lado, temos o indicador 07 do módulo 5 que representa a demanda que não está sendo atendida, e, quando analisado junto com o indicador 06, pode indicar duas situações: 1) as vagas existentes não são atrativas; ou 2) os profissionais não atendem os requisitos das vagas, ou seja, há uma falta de correspondência entre as competências buscadas por empregadores e disponíveis entre os trabalhadores.
O módulo 6 traz a sugestão dos indicador 01, que é a mensuração padronizada da força de trabalho usando a métrica da força de trabalho equivalente em tempo integral (em inglês, full-time equivalent (nota), bem utilizada no planejamento da força de trabalho em saúde, tendo em vista que os profissionais da área tendem a ter jornadas marcadas por múltiplos vínculos. O indicador 06 permite capturar as características de relações de trabalho, permitindo verificar como se dá os vínculos de trabalho, inclusive, revelando o quão vulnerável está a força de trabalho em termos de proteção laboral (5). Com relação ao módulo 7 temos indicadores relacionados a gastos totais e públicos, tanto em termos de remuneração quanto outros benefícios. Por fim, o módulo 8 fornece uma visão da demanda de profissionais da saúde de forma desagregada por especialidades e categorias.
Outros indicadores recomendados sobre demanda:
Taxas de utilização de profissionais alternativos (ex. acupunturistas, homeopatas, fitoterapeutas ou curandeiros);
Decisões políticas relacionadas à força de trabalho do setor público de saúde (indicador qualitativo);
Processo de tomada de decisão relativo a recrutamento, atribuições, transferências, promoções e demissões (indicador qualitativo);
Diferenças nas condições de trabalho entre os setores público e privado, incluindo remuneração e aspectos não monetários das condições de trabalho (indicador qualitativo).
Necessidade
A necessidade pode ser compreendida como o número e o tipo de profissionais da saúde necessários para atender a demanda por serviços de saúde da população. Tais demandas por serviços são aferidas em função das características da população, como demografia, epidemiologia, dentre outros. É difícil definir benchmarks de necessidade compatíveis com todos os países dada a heterogeneidade de cada ambiente. Em alguns países esse problema é notadamente maior, devido às especificidades subnacionais em termos demográficos, socioeconômicos e epidemiológicos.
A necessidade está sujeita a uma noção normativa, diferentemente da demanda que pode ser mais objetivamente avaliada. Para alguns serviços - como cuidado materno e infantil, cuidados a pessoas com diabetes e HIV - a necessidade pode ser mensurada com maior precisão, pois existe um conjunto de protocolos destinados para atender este perfil de pacientes. Outras condições possuem prevalências e protocolos pouco estabelecidos, como saúde mental, o que exige mais esforços para aferição das necessidades.
Você sabe o que torna o estudo da necessidade um desafio? É a sua dinamicidade no horizonte temporal. Vejamos o seguinte exemplo: com o aumento e/ou diminuição de determinadas doenças, a quantidade e tipo de profissionais necessários deverá ser alterada. Um Brasil de 15 anos atrás apresentava um perfil populacional. Atualmente, com uma população envelhecida, conforme o último censo (6), o arranjo de necessidades é outro. Confira na Figura abaixo os módulos com indicadores relacionados.
Em conjunto, as variáveis citadas no módulo 1 e 5 possibilitam analisar a escassez de trabalhadores de saúde, com base em uma análise de oferta e necessidade, desagregados em zonas geográficas e por categorias ocupacionais. Os indicadores 03 e 04 do módulo 9 servem, respectivamente, para aferir a existência de práticas sistematizadas e estruturadas de planejamento da força de trabalho em saúde e verificar a existência de currículos de instituições de ensino alinhados às necessidades da população. Já o indicador 5 mensura a existência de mecanismos ou órgãos responsáveis por definir a quantidade de trabalhadores e por tipo de ocupação a partir de um olhar sobre as necessidades da população.
Outros indicadores recomendados sobre necessidade:
Porcentagem de domicílios relatando não ter acesso a um médico de família;
Tempos de espera para acesso a certos serviços (consulta especializada, exames, procedimentos cirúrgicos);
Proporção de pessoas que necessitam de cuidados de saúde relatando atraso na obtenção de cuidados de saúde nos últimos 12 meses por motivos de disponibilidade de trabalhadores de saúde;
Porcentagem de pessoas vivendo em vazios de assistência médica;
Revisão de estudos sobre necessidades de pessoal (indicador qualitativo).
É importante conhecer os fatores que exercem influência sobre a necessidade de serviços, que por vez determinam a necessidade de trabalhadores:
Perfil demográfico e epidemiológico da população;
Emergências e crises de saúde, como epidemias, geram novas necessidades em termos quantitativos e qualitativos. (ex: Ebola, COVID-19);
A tecnologia pode gerar a necessidade de novos tipos de trabalhadores e aumentar ou reduzir a necessidade dos atuais. (ex: telemedicina, e-saúde);
Fatores culturais;
Regulamentações (ex: Diretiva de Tempo de Trabalho da União Europeia);
Fatores políticos.
Analisar o estoque, oferta, demanda e necessidade é um importante passo na compreensão do Mercado de Trabalho em Saúde (MTS), conforme relatados nas resenhas do capítulo 1 "Health labour market analysis". Os indicadores abordados neste capítulo e no de número 2 contribuem para a compreensão do MTS. Um dos desafios é compilar várias fontes de dados, que podem ser acessadas a partir de múltiplas organizações, como: Ministérios e Agências Governamentais, Conselhos e Associações Profissionais, Órgãos de Credenciamento, Instituições de Ensino, Sindicatos, Organizações de Empregadores ou Observatórios de Recursos Humanos em Saúde (HRH).
Notas
a. O Full-Time Equivalent é um indicador que permite a caracterização da carga-horária, dada a heterogeneidade das jornadas e dos múltiplos vínculos dos profissionais de saúde. Calcula-se somando o total de horas efetivamente trabalhados por todas as pessoas ocupadas e dividindo o somatório pela carga horária equivalente ao tempo integral.
Fontes de informações:
Siyam. A, Nair, T.S, Diallo, K. Dussault, G. (2022). Strengthening the collection, analysis and use of health workforce data and information: a handbook. World Health Organization. Geneva. Disponível em: <https://iris.who.int/bitstream/handle/10665/365680/9789240058712-eng.pdf?sequence=1>
Scheffler. R, Cometto. G, Tulenko. K, Bruckner. T, Liu. J, Keuffel. E.L, Preker. A, Stilwell. B, Brasileiro. J, Campbell. J. (2016). Health workforce requirements for universal health coverage and the Sustainable Development Goals. Background paper N.1 to the WHO Global Strategy on Human Resources for Health: Workforce 2030. Human Resources for Health Observer Series No 17. World Health Organization. Disponível em: <https://iris.who.int/bitstream/handle/10665/250330/9789241511407-eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y>
Organização Pan-Americana da Saúde. (2020). Contas Nacionais da Força de Trabalho em Saúde: Um Manual. Brasília. Disponível em: <https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/52728/9789275722848_por.pdf>
European Commission, International Monetary Fund, Organization for Economic Co-operation and Development, United Nations & World Bank. (2008). System of National Accounts. Disponível em: <https://unstats.un.org/unsd/nationalaccount/docs/sna2008.pdf>
Vieira, L. A., Caldas, L. C., Gama, M. R. de J., Almeida, U. R., Lemos, E. C. de ., & Carvalho, F. F. B. de. (2023). A Educação Física como força de trabalho do SUS: análise dos tipos de vínculos profissionais. Trabalho, Educação e Saúde, 21, e01991210. https://doi.org/10.1590/1981-7746-ojs01991
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2023). Censo 2022: número de pessoas com 65 anos ou mais de idade cresceu 57,4% em 12 anos. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/38186-censo-2022-numero-de-pessoas-com-65-anos-ou-mais-de-idade-cresceu-57-4-em-12-anos>
Autoria

Alef Santos: graduando em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Goiás (UFG). É pesquisador no Centro de Inovação em Gestão da Educação e do Trabalho em Saúde da UFG (CIGETS-UFG). Possui interesse em ciência da dados aplicado à análise de mercado e avaliação de políticas públicas.

Daniel Pagotto: bacharel (Universidade de Brasília – UnB) e mestre em Administração (Universidade Federal de Goiás -UFG). Atualmente cursa seu doutorado em administração pela UnB. É pesquisador no Centro de Inovação em Gestão da Educação e do Trabalho em Saúde da UFG (CIGETS-UFG) e na Redimensiona. Possui interesse em estudos de planejamento e dimensionamento da força de trabalho em saúde, especialmente com aplicação de métodos quantitativos.

Daiane Martins Teixeira: Mestra em Administração pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Bacharela em Administração pela Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará. Atua como pesquisadora no Centro de Inovação em Gestão da Educação e do Trabalho em Saúde (Cigets/UFG), onde realizou pesquisas sobre residências médicas e multiprofissionais e estudos sobre planejamento e dimensionamento da força de trabalho em saúde.
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